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O futuro da agropecuária sustentável

4 jun 2012 - 10h55
(atualizado às 12h07)
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A divisão de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) acaba de publicar um estudo a respeito do futuro da sustentabilidade na agricultura e na produção de alimentos - http://www.un.org/esa/dsd/dsd_sd21st/21_pdf/agriculture_and_food_the_future_of_sustainability_web.pdf. O relatório Food and Agriculture: The future of sustainability foi lançado como uma contribuição estratégica para o relatório mais amplo Desenvolvimento Sustentável no Século 21, que será lançado na Rio+20. O documento é fruto de uma consulta a dezenas de líderes ligados ao setor, numa lista que inclui diversos brasileiros. Estes apontaram as tendências e prioridades para que se garantam sistemas agrícolas e produção de alimentos sustentáveis nos próximos 20 anos. O estudo conclui sobre o que há de consenso sobre o tema, mas também explicita as áreas em que há divergências fundamentais.


Seja pelos consensos ou dissensos, devemos digerir seus resultados e usá-los como mais um importante subsídio para a definição de políticas para este setor crucial do nosso País. Espero que nos ajude a oxigenar a reflexão e o debate público sobre a nossa agropecuária, o que e como a queremos e que políticas necessitamos para tal.


O estudo destaca a escassez de recursos naturais, energia e insumos como uma tendência para a produção agropecuária. Isto se opõe a outros aspectos alarmantes que têm recebido pouca atenção: o desperdício ou perda de 30% a 40% do que é produzido e o fato de o comércio de alimentos atual já dar conta da necessidade de calorias da população humana, contrastando com desnutrição e obesidade.


O trabalho também ressalta a necessidade de integração entre o uso da terra e os serviços ambientais para a qualidade de vida local e global. Alerta sobre um conjunto de medidas para a adaptação às mudanças climáticas. Conclui que estamos no caminho errado: a prioridade deve ser na qualidade da produção e do produto e na distribuição dos alimentos, em vez do foco exclusivo na quantidade a ser produzida.


Entre outras tendências, o estudo também ressalta o risco da concentração da produção e da distribuição da comida. Metade do que comemos vem do cultivo de arroz, milho e trigo e um pequeno grupo de empresas domina o comércio mundial de alimentos. Finalmente, destaca a mudança na governança, em que a dinâmica entre governos, o multilateralismo, o setor privado e a sociedade civil é bastante distinta de décadas passadas.


Os autores concluem que poucas empresas e ONGs tomaram a dianteira na inovação e na busca de soluções para a agricultura sustentável, enquanto a maioria dos outros atores ainda está batendo cabeça sobre em que direção ir e o que fazer. Tal cenário reflete muito bem a situação do nosso País e a discussão do Código Florestal é apenas um indicador. A conclusão é a de que é necessário equilibrar as forças entre o setor empresarial e o Estado, buscando integrar políticas públicas e privadas que se direcionem para o bem público comum.


As nove áreas de consenso dos especialistas foram:


- Pequenos e médios produtores organizados (com ênfase para as mulheres agricultoras) devem ser prioridade para investimentos.


- A meta da produção sustentável deve ser definida em função da nutrição humana em vez de ser focada simplesmente na ideia de produzir mais.


- É preciso buscar alta produção com conservação ambiental, que não deve se opor, tendo políticas e uma agenda de pesquisa compatível para esse objetivo.


- Estimular a inovação e a disponibilização de diversas tecnologias de produção sustentáveis, aplicáveis para diferentes contextos socioeconômicos e ecológicos. Logo, evitar os pacotes tecnológicos, dominantes na agropecuária nacional.


- Reduzir significativamente as perdas em toda a cadeia de alimentos.


- Desenvolver políticas de produção de biocombustíveis de maneira descentralizada, evitando que estes substituam a produção de alimentos. As políticas devem se somar para promover a segurança alimentar e energética, contribuindo para diversificar e restaurar as paisagens rurais.


- Medir de maneira inteligente e transparente os resultados rumo à sustentabilidade. O estudo adverte que pouco se medem os impactos das mudanças em curso no campo, o que não nos permite tomar decisões adequadamente.


- Desenvolver e adaptar as instituições públicas e privadas para que possam responder eficazmente ao novo paradigma da sustentabilidade.


- Incentivar e recompensar os investimentos e sistemas de negócios que resultem em impactos mensuráveis para o bem público.


Vale a pena darmos visibilidade aos dilemas. As áreas em que não há consensos entre os especialistas sobre o rumo da sustentabilidade da agricultura e dos alimentos ficaram organizadas em sete perguntas:


A segurança alimentar será mais garantida pela produção em larga ou pequena escala?


Qual deve ser o papel das corporações no sistema alimentar?


Quais tecnologias entregarão de maneira efetiva uma segurança alimentar sustentável? Qual deve ser o equilíbrio entre sistemas intensivos de uso de químicos e práticas agroecológicas?


Qual pode ser o papel dos transgênicos para a segurança alimentar?


Quanta biodiversidade deve haver nos sistemas de produção agrícola?


Como se adaptar à crescente demanda por proteína animal?


Como o comércio pode afetar a segurança alimentar dos países? Qual o equilíbrio entre produção e consumo local e o comércio global?


O relatório é categórico: a situação como está (business as usual) não é uma opção para o alcance da agricultura e a alimentação sustentáveis. Adiciona que um "esverdeamento" parcial não é suficiente, sendo necessária uma visão ampla e sistêmica e a reconstrução do setor com novas tecnologias e políticas. O papel da extensão rural e do cooperativismo é colocado como central, na contramão da situação brasileira, em que muitas cooperativas viraram revendas de insumos e os produtores são assistidos por técnicos de multinacionais de empresas de agroquímicos e sementes.


Finalmente, a governança é recorrente em todo o estudo, com muitos destaques para a busca do equilíbrio entre o papel do Estado e do setor empresarial. Estes são vistos como complementares ao invés de antagônicos. Contudo, o indicativo é o de que os defensores do liberalismo estão em menor quantidade do que antes, pois neste aspecto a conclusão é a de que mercados eficientes e equitativos são criados por governos fortes e não por mercado auto-regulados.


Os desafios são enormes, mas a única opção é enfrentá-los e o Brasil está numa posição privilegiada para ser protagonista neste processo. Além da situação especial de disponibilidade de terras e condições naturais para produzir, é líder em pesquisa e inovação na agropecuária tropical.


O País conta com um setor produtivo em que a vanguarda está presente, mesmo que ainda convivendo lado-a-lado com o arcaico. Nossa sociedade civil é organizada e aos poucos está despertando para a importância do campo para a sua vida e para o projeto do nosso País. A grande lacuna ainda está na desconexão e contradições das políticas públicas que devem criar as condições para a construção de uma nova agropecuária.


Somente alcançaremos a condição de líderes quando as políticas passarem de setoriais para sistemáticas e coordenadas. O estudo deixa evidente a importância de integração de políticas econômicas, sociais e ambientais, que vão da saúde e educação à infraestrutura e comércio. Não há fórmula para isto, mas o que sabemos é que tratar cada tema separadamente gera enormes contradições, perda de energia e muitas dificuldades para o avanço rumo ao desenvolvimento sustentável.


Luís Fernando Guedes Pinto é mestre em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo e doutor em Fitotecnia, com atividades no Icraf Sudeste da Ásia. É gerente de Certificação Agrícola do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Professor colaborador do mestrado profissionalizante da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, foi pesquisador associado do Oxford Centre of Tropical Forests, do Environmental Change Institute da Universidade de Oxford.


Fonte: DiárioNet DiárioNet
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